sábado, 13 de outubro de 2012


Querida filha,

Se estiver lendo essa carta é porque não estou mais junto de ti e dos meus, sendo assim gostaria de colocá-la a par de tudo o que aconteceu comigo e com tua mãe. Espero que não fiques chocada pela minha revelação, se é que já não estás sabendo de tudo.
Não tive a oportunidade de conviver contigo, pois o meu coração não agüentou a tristeza e a solidão de viver sem a tua mãe, a sua verdadeira mãe. Das Dores. O grande amor de minha vida.
Na fazenda encontrarás um baú onde guardei algumas cartas e vários diários onde escrevi algumas passagens da minha vida, espero que te alegres com a leitura e possa compreender tudo o que ocorreu e possa me perdoar.
Imagino, aqui na frente da escrivaninha, como estarás bela e formosa e tenho certeza que deverás parecer muito com tua mãe. Os mesmos olhos perspicazes, os cabelos lisos e sedosos, a voz de um lindo rouxinol e o coração bondoso e romântico.
Quero que saibas que o pouco em que a tive em meus braços foram apaixonantes e de extrema felicidade e que sinto em não poder passar os anos seguintes em tua companhia, pois como já expliquei a ti, meu coração morreu com tua mãe no Brasil. Sei que a amarias tanto como eu amei, pois não conheci mulher mais formosa e bondosa como ela e tenho certeza que serás o teu espelho.
Filha querida! Perdoe-me se não pude vê-la crescer e desabrochar. Mostrar-lhe as coisas boas da vida, ensiná-la a cavalgar e admirar a natureza. Perdoe-me por não correr pelos jardins contigo como as borboletas azuis que sempre brincaram com sua mãe. Mas tenha sempre em teu coração que és o fruto do amor mais puro que possa ter existido, superando D. Pedro e Inês de Castro, Romeu e Julieta e tantos outros que já deves ter lido em romances. Mas saiba que o amor que sempre tive por ti foi a extensão do amor que ainda tenho por tua verdadeira mãe.
Peça perdão a Isabel por tê-la traído, mas tenho certeza que ela sempre compreendeu, pois nosso casamento foi embasado em puro interesse de nossas famílias, mas que sempre a respeitei, até que surgiu esse amor arrebatador e não pude vencê-lo.
Abrace minha mãe por mim, pois não tive oportunidade de dizer o quanto eu a amei e amo.
Minha fraqueza não permite que me alongue nas palavras, mas terás tempo de ler tudo aquilo que deixei escrito para ti.
Amo-te minha borboletinha azul. Sejas feliz. E coloque sempre o amor acima de qualquer outra coisa nesse mundo.

                                          Com muito amor teu pai Leon.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012


Capítulo I – A lagarta


“Dizem que a lagarta representa o homem em seu estado egoísta, materialista e profano”.

 
Quinta-feira - 14 de março de 1872.

 

São quase dez horas da manhã. O navio que me trouxera de Portugal, o vapor Alegrette, está aguardando para atracar no porto devido a um temporal que está desabando na capital do império. E assim teremos que aguardar por mais algumas horas até que a prancha de desembarque seja abaixada e pisarmos a terra firme sob nossos pés.

Estou aproveitando para iniciar meu diário. Idéia do meu querido avô. “Servirá para você relembrar de atos feitos e palavras ditas e assim poderá escolher novos caminhos, quando tiver que dar algum passo para trás”. Palavras que ficam martelando minha cabeça. (risos).

O menino que partira tão assustado, agora voltava um homem. Vinte e dois anos. Acho que minha mãe nem vai me reconhecer. Meus cabelos negros estão mais compridos que já alcançam os meus ombros. Aquele corpo raquítico que ela vira pela última vez no cais foi transformado num corpo atlético e musculoso devido a minha lida com os cavalos na fazenda do vovô. A palidez substituída pela cor morena, queimada pelo sol dos verões em Viseu. Acho que o rosto não mudou muito, apenas envelheceu.

Estou olhando pela pequena janela do camarote, mas não consigo ver nada, pois uma névoa cobre toda a baía. Mas estou ansioso para rever meus pais, principalmente minha mãe.

Fecho meus olhos e revejo o dia da minha partida como se fosse hoje. Minha pobre mãe no portão de embarque aos prantos. Quase invisível entre a multidão que acenava, freneticamente, seus mais variados tipos e cores de lenços. Mas lá estava ela, frágil, impotente e linda. Linda como sempre. E eu um menino assustado e ao mesmo tempo invadido pelo espírito de aventuras que me aguardavam no desconhecido país de meu avô.

Ainda posso ver a troca de acenos e beijos jogados ao vento. Ficamos acenando eu da mureta do convés e ela no cais do porto, até nos perdemos de vista.

Sete anos e agora estou de volta. Ainda me recordo dos dias em que passei na fazenda em Viseu, do medo de subir no cavalo pela primeira vez e em seguida sentir a mão segura do meu avô e as palavras de incentivo. As brincadeiras na beira do lago e principalmente as longas conversas no velho platô. Eu vou voltar para revê-lo muito em breve, afinal já não sou mais aquele menino assustado, agora posso tomar minhas decisões. Independente.

Precisava agora só ajeitar minha vida financeira, arrumar um bom emprego na área de engenharia e depois voltar para Portugal e cuidar dos cavalos do meu avô, o Senhor Esteban. (risos).

Minha maior tristeza foi ter que vê-lo da mesma maneira que minha mãe. Parado entre aquela multidão que acenavam lenços, estava o meu velho avô. Mas em breve eu voltarei.

O camareiro veio trazer meu almoço e avisou que em breve o Alegrette atracaria no cais. Vou encerrar por aqui e enxugar minhas lágrimas de saudades e ao mesmo tempo de alegria.