Capítulo
I – A lagarta
“Dizem que a lagarta representa o homem em seu estado egoísta,
materialista e profano”.
Quinta-feira
- 14 de março de 1872.
São quase dez
horas da manhã. O navio que me trouxera de Portugal, o vapor Alegrette, está
aguardando para atracar no porto devido a um temporal que está desabando na
capital do império. E assim teremos que aguardar por mais algumas horas até que
a prancha de desembarque seja abaixada e pisarmos a terra firme sob nossos pés.
Estou
aproveitando para iniciar meu diário. Idéia do meu querido avô. “Servirá para
você relembrar de atos feitos e palavras ditas e assim poderá escolher novos
caminhos, quando tiver que dar algum passo para trás”. Palavras que ficam
martelando minha cabeça. (risos).
O menino que
partira tão assustado, agora voltava um homem. Vinte e dois anos. Acho que
minha mãe nem vai me reconhecer. Meus cabelos negros estão mais compridos que
já alcançam os meus ombros. Aquele corpo raquítico que ela vira pela última vez
no cais foi transformado num corpo atlético e musculoso devido a minha lida com
os cavalos na fazenda do vovô. A palidez substituída pela cor morena, queimada
pelo sol dos verões em Viseu. Acho que o rosto não mudou muito, apenas
envelheceu.
Estou olhando
pela pequena janela do camarote, mas não consigo ver nada, pois uma névoa cobre
toda a baía. Mas estou ansioso para rever meus pais, principalmente minha mãe.
Fecho meus
olhos e revejo o dia da minha partida como se fosse hoje. Minha pobre mãe no
portão de embarque aos prantos. Quase invisível entre a multidão que acenava,
freneticamente, seus mais variados tipos e cores de lenços. Mas lá estava ela,
frágil, impotente e linda. Linda como sempre. E eu um menino assustado e ao
mesmo tempo invadido pelo espírito de aventuras que me aguardavam no
desconhecido país de meu avô.
Ainda posso
ver a troca de acenos e beijos jogados ao vento. Ficamos acenando eu da mureta
do convés e ela no cais do porto, até nos perdemos de vista.
Sete anos e
agora estou de volta. Ainda me recordo dos dias em que passei na fazenda em
Viseu, do medo de subir no cavalo pela primeira vez e em seguida sentir a mão
segura do meu avô e as palavras de incentivo. As brincadeiras na beira do lago
e principalmente as longas conversas no velho platô. Eu vou voltar para revê-lo
muito em breve, afinal já não sou mais aquele menino assustado, agora posso
tomar minhas decisões. Independente.
Precisava
agora só ajeitar minha vida financeira, arrumar um bom emprego na área de
engenharia e depois voltar para Portugal e cuidar dos cavalos do meu avô, o
Senhor Esteban. (risos).
Minha maior
tristeza foi ter que vê-lo da mesma maneira que minha mãe. Parado entre aquela
multidão que acenavam lenços, estava o meu velho avô. Mas em breve eu voltarei.
O camareiro
veio trazer meu almoço e avisou que em breve o Alegrette atracaria no cais. Vou
encerrar por aqui e enxugar minhas lágrimas de saudades e ao mesmo tempo de
alegria.
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